domingo, 5 de outubro de 2014

Garota Exemplar

”Suponho que essas indagações pairem como nuvens negras sobre todos os casamentos: No que você está pensando? Como está se sentindo? Quem é você? O que fizemos um ao outro? O que iremos fazer? (Nick Dunne)” 

Uma vez, há alguns anos, Adrielle ficou muito triste e revoltada. Era nítida sua admiração pelo Menino e arriscara sua vida, certa vez, para salvá-lo de lobos. Hoje andam por ai, bem pertinho do mar, acompanhando sonhos como se fossem as ondas batendo na praia.

Naquele dia, haveria uma festa e ela arrumara tudo para que ele fosse com uma “amiga especial”. Só que de amiga ela não tinha nada de especial e o traiu, dando “um cano”, não sem antes ganhar um belo vestido. Coisas que acontecem por aí... 

Claro que rolou uma tempestade com direito a apagão. Adrielle chegou em casa puta da vida furiosa e ficou um bom tempo trancada em seu quarto. Horas mais tarde ela aparece, senta ao lado do Mago e deita sua cabeça em seu colo. Ele afaga seu cabelo e assim fica durante um tempo, quando, então, ela quebra o silêncio. 

- O que eu fiz de errado? 
- Você só fez coisas bonitas e certas. 
- Mas por que não funcionou? 
- Claro que funcionou! A casa ficou toda arrumada, a dispensa está repleta de coisas que nunca tivemos e, com isso, o lanche de vários dias está garantido. Até escova de dentes para hóspedes esquecidos nós, agora, temos! 
- Não foi disso que eu falei. 
- Você teve muito carinho, delicadeza e cuidado ao fazer todas essas coisas e isso é o que importa, pequenina. As pessoas são muito complicadas e saber, antecipadamente. suas intenções e pensamentos é muito difícil.

Tentando resolver essa confusão, veio a tal da história. Senta lá! 

Um corre corre tomou conta da sala, almofadas voaram pra perto do fogo, o Narrador, com seus papéis na mão, pediu a atenção. Todos sentaram bem juntinho, para ficarem mais aquecidos, mas Adrielle preferiu continuar no colo do Mago. 

“Era uma vez... um conto não tão de fadas, mas que também começa assim! 

Um ser da lua que andava por ai: algo solitário e sempre pensativo, como é característico dos seres de lá, que brilham e iluminam junto com as estrelas. De tempos em tempos, o tal ser solitário lança um raiozinho de luz em algum outro ser que chama sua atenção, por também possuir uma luz própria, vinda da sua própria estrela ou planeta. 

Desses astros celestes, um deles fica bem perto do sol. Dividido em duas metades, numa existe um castelo e na outra existe um enorme jardim muito florido, onde moram também seres bastante distintos. Na rotação desse planetinha, cada vez um lado recebe a luz da lua e, a seu modo, seus habitante brilham intensamente, para serem dignos de atenção. 

Numa dessas ocasiões incomuns, um dos polos que guarda o limite, entre o castelo e o jardim, foi iluminado de uma só vez, numa noite de lua cheia. 

Então... 

No momento que os dois lados foram iluminados, duas irmãs bruxinhas seguiram com os raios de luz da lua, cada uma para cada ser distante e cada uma com uma missão! Do lado do castelo, havia indecisão e medo; do lado do jardim, havia incerteza e medo também. As duas irmãs bem que tentaram e tentaram, mas o planetinha se moveu, a luz se apagou e nada mais aconteceu.” (N.N.: Essa historinha foi outro "remake" de textos do "Contos de Fadas?". Confesso que até eu tenho lá minhas dúvidas sobre o que eu quis dizer com o que escrevi)

Em “Garota Exemplar” (Gillian Flynn; tradução de Alexandre Martins – Rio de Janeiro: Editora Intrínseca – 2013) muita coisa aconteceu: um ser brilhou, outro o viu; máscaras foram criadas, relacionamentos existiram, histórias incríveis (mas que passam muito próximo da realidade) são contadas e chega a ser impossível você não se identificar com algum personagem. Seria você o Nick? Quem sabe Amy Exemplar? De longe foi o melhor livro que li nos últimos tempos e aí fui ver o filme, aproveitando que fui votar fora de sede (fiz a minha parte). 

A história, em ambas as versões, é imprevisível e você só descobre o que acontece no final mesmo. Cheguei a confundir os agradecimentos da autora, no final do livro, a alguma cena que ainda não acabara. O grande problema aí fica no filme: se você assistir antes de ler o livro, já saberá o final, vai perder a graça toda e ainda ficará com a falsa impressão de que a história é ruim. O roteiro foi adaptado pela própria Gillian Flynn que é ótima escritora de livros, mas deixou a desejar como roteirista, pois é muito difícil condensar mais de quatrocentas páginas em pouco mais de duas horas de exibição na telona. Por outro lado, as interpretações são ruins, francamente mal dirigidas, e Ben Affleck consegue ter a mesma expressão que mostra em todos os seus filmes, detonando de vez a personalidade de Nick Dunne. Rosamund Pike, por sua vez, nem de longe incorporou a riqueza de detalhes e expressões que podemos imaginar de Amy Dunne quando lemos o livro. Os demais personagens, mesmo que coadjuvantes, são interessantíssimo, mas também foram mal representados.

A dica então é a seguinte: leia o livro, só veja o filme depois disso e aí tire suas conclusões. Por outro lado, se você é casado, ler o livro pode acender aquela luzinha vermelha que você gosta de esconder; se você está na fase do “quase casamento”, vale a pena conferir; se você já se separou, pode ser que tenha a impressão de que o livro chegou atrasado uns trinta anos. 

 
Boa Noite! Eu sou o Narrador.