domingo, 23 de fevereiro de 2014

A Cartomante de Papel

Tenho observado uma tendência de textos ou imagens falando de “x” coisas que tem a ver com algum tema. Sempre um numeral, seria algo similar ao “Dez coisas que eu odeio em você”, filme clássico da sessão da tarde. Com o tempo chuvoso, eu poderia fazer um texto com o “X coisas para fazer em dias de chuva”, mas achei isso de gosto tão discutível como o que anda por ai. Sendo assim...

Ele acordou cedo afastou as cortinas da janela e viu um esboço de sol que possibilitaria um bom passeio a pé. Como ainda fazia frio, deu um tempo, lavou a louça da véspera, guardou algumas roupas e tornou a olhar para a rua, quando enormes pingos de chuva o fizeram desistir da ideia inicial. 

Pensou por um tempo e resolveu remexer em caixas empoeiradas, cheias de lembranças e fotos, quando uma carta, dessas de baralho, caiu no chão. Abaixou para pegar e viu que era um desenho, em preto e branco, assinado por “risca risca”, de uma cartomante. Procurou detalhes, vasculhou a mente atrás da origem daquela carta, quando um redemoinho o sugou para dentro do desenho e, digamos, quando caiu, foi amparado por enormes almofadas que amenizaram o tombo. Estava numa tenda, dessas de parque de diversões, onde era possível observar uma mesa com uma bola de cristal, alguns incensos acesos, e uma decoração mista de colorido e cinza. 

Certo que ensandecia, resolveu sair dali e foi dar num gramado. Ao olhar para trás, a tenda desaparecera e observou uma discussão de uma menina com um sujeito esquisito, baixinho, de barba verde e cabelo roxo, um desses seres que não tem definição, que estava sentado num banquinho cor de abóbora, para não perder a esdrúxula combinação de cores. Aparentemente ele meio que protegia uma fronteira transparente que ia de lugar algum para outro lugar nenhum. 

- Para passar, precisa resolver o teste. - explicou para a menina, entregando uma prancheta com uma folha de papel e um lápis multicolorido. 

Sem muito entender (afinal que teste era esse?), primeiro ela desenhou um passarinho que tomou vida e saiu voando. Concluiu que o lápis era mágico e tentou novamente com uma borboleta, conseguindo o mesmo efeito. O baixinho permanecia sério, enquanto várias imagens tomavam vida, enchendo o jardim de bichinhos que logo desapareciam. Como ele não falava nada e nem dava qualquer pista, ela tentou novamente e pegou o lápis, desenhou uma pedra, uma folha de papel e uma tesoura, entregando a seguir para o baixinho que sentado estava, sentado continuou. 

Então ela falou: -"Você escolhe um e eu outro". Ele escolheu a pedra (acho que ele pensou que era o desenho mais forte) e ela a folha de papel que embrulhou a pedra e foi jogada fora. Aí sobrou a tesoura... usou-a, recortou a folha do desenho inicial como uma flor e ofereceu ao baixinho! 

Finalmente ele sorriu, agradeceu, deu as “boas vindas” e permitiu que passasse. Antes que algo mais acontecesse, o sujeito chegou mais perto da menina e perguntou: 

- Como você veio parar aqui? 
- Não sei, eu estava dormindo e, de repente, “boom”! E você? 
- Achei esta carta, não lembrava muito bem o que era e aí “boom” também. 
- Ah! A Cartomante de Papel! Ela faz isso às vezes. 
- Você a conhece? 
- Sim... eu que a desenhei. 

Novo redemoinho, dessa vez sem tombos, o sujeito acordou meio assustado. Afastou o cobertor e ouviu o barulho de alguma coisa caindo no chão e, ao verificar, encontrou uma prancheta, um lápis multicolorido e o desenho da cartomante. Com todo o cuidado, preparou uma caixa, colocou tudo lá dentro e guardou no armário.  

Boa Dia! Eu sou o Narrador.  

N.N: A Cartomante de Papel é um desenho da Laís. Tentei uma autorização de uso, mas ainda não consegui (mas já agradeço)e, por isso, não coloquei a imagem ainda. Espero que ela goste do texto que é um remake dos textos “O Teste da Fronteira Transparente” e “O Conto da Cartomante de Papel” que podem ser encontrados no “Contos de Fada?”. Conheça parte dos trabalhos da Laís clicando aqui.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Encanto Mortal

Quando eu era criança, um dos meus divertimentos favoritos era ler e os contos de fada enchiam as prateleiras da estante durante muitos anos. Lembro do “Mundo da Criança”, “Contos de Andersen”, “Contos de Grimm” e a coleção favorita, de mais de vinte livros, que era “Joia dos Contos de Fada”. Boa parte deles ilustrados, se não me tornaram especialista no assunto, ao menos eu conheci tudo a respeito na época. 

Toda essa influência vive até hoje, pois alguns posts aqui do blog fazem referência ao fantástico e inimaginável e aproveitar a lua cheia associada ao término do horário de verão e início do inverno (se alguém disse que sair de uma temperatura amena de trinta graus para os tradicionais vinte não é inverno, então eu não sei de mais nada) daria outro conto nessa mesma linha. 

Só que aproveitei os últimos dias para ler um daqueles livros que “piscaram” pra mim na Livraria Saraiva e que acabei comprando, principalmente quando conclui que ele não era de nenhuma série ou trilogia ou lá o que seja, nessa linha, se bem que o final deixou vários ganchos para continuações que espero que não aconteçam. 

Ao término, como sempre, li algumas resenhas, certamente de pessoas que não tiveram uma infância literária como a minha, daí alguma estranheza no desdobrar da história. Na chamada do livro, eles citam séries televisivas atuais como “Once upon a time” e “Grimm”, mas, na verdade, é somente um conto de fadas mesmo. Um detalhe: quando uso “história” ao invés de “estória”, isso é proposital, pois o grande mistério dos contos é nunca saber o quanto cada um tem de verdadeiro (perguntem pro Tolkien e pro Lewis como é que eles escreveram “O Senhor dos Anéis” e “Crônicas de Nárnia” que vocês vão entender isso direitinho). 

“Encanto Mortal” (Tradução do livro "Kill me Softly" de Sarah Cross – Editora Verus – 2013), conta uma história bem doida de uma menina criada por suas madrinhas e que deseja conhecer melhor o seu passado. Inteligente, impulsiva e prestes a completar dezesseis anos, foge de casa e viaja até sua cidade natal, onde encontra mais mistérios do que explicações. O que achei interessante é que identifiquei boa parte dos contos citados e isso tornou a leitura mais atraente, mas as resenhas não são muito satisfatórias (por isso que só procuro resenhas depois de ler). 

Deixo a dica: realmente foi uma opção para os dias frios, quando usar a bicicleta parada foi a melhor solução para não trocar a atividade física pelo conforto do cobertor.  


Boa Noite! Eu sou o Narrador.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

O Circo Está Armado

- Ei pai! Tem alguém batendo na porta da oficina! 

Arioswaldo Astrogildo de Lima Correa da Silva Santos Moreira, mais conhecido por “Zé da Moto”, era um sujeito “boa praça” e um excelente mecânico. Casado, há trinta anos, com Maria do Rosário, com quem teve seis filhos. Para o parágrafo não ficar enorme, cinco casaram e somente o mais novo, de oito anos, é que morava com o casal. 

- Pai! Anda logo! 

Enquanto ele foi abrir a porta, dona Rosa (era assim que a chamavam), levantou e preparou o café, espalhando o aroma por toda a casa até a oficina. 

- Olá! Desculpe incomodar logo cedo, ainda mais no domingo, mas sou do circo e faço parte da equipe do Globo da Morte. Minha moto está engasgando e isso é muito perigoso no meu trabalho. 

A bela moça, de longos cabelos loiros e brilhantes olhos azuis, revelados quando tirou o capacete, parecia muito preocupada só que bem menos que o Zé. Eu explico: dona Rosa era muito atenciosa, logo apareceria com duas xícaras de café, veria a moça e explodiria em ciúmes. Para evitar situações desastrosas, ele emprestou uma moto da oficina e combinou de levar a dela até o circo, pouco antes do inicio do espetáculo. Trato feito, ela foi embora e ele foi para cozinha. 

- O que era, Zé? 
- Um “pessoal” do circo com uma moto com problemas. Vou consertar e levar até lá mais tarde. 

Ele ficou o dia todo no conserto, mas resolveu. Dona Rosa foi para a igreja e ele foi entregar a moto. Chegando no circo, todo o grupo agradeceu e ele foi convidado a assistir. Pensou em recusar, mas eles insistiram tanto que ele não resistiu. Ficou encantado com tudo: equilibristas que tiravam gritinhos da plateia adolescente, malabaristas habilidosos que nunca erravam e os palhaços que divertiam a garotada de olhinhos brilhantes (desde que não chegassem muito perto). O momento final foi a apresentação do grupo de motociclistas que encerrou com muitos aplausos, agradecendo os préstimos do Zé que, convidado ao picadeiro, foi homenageado e ainda levou um beijinho, no rosto, da moça motoqueira. 

Tudo correria bem se o filho menor não tivesse a brilhante ideia de fuçar o Youtube, encontrasse o vídeo da apresentação (digo, os vídeos, postados diretamente dos diversos smartphones dos presentes na plateia) e mostrasse pra dona Rosa. 

- Ei mãe! Olha aqui o pai na Internet! 

Resumo da ópera (Ué? Mas não era circo?): dona Rosa bufou, pegou o rolo de macarrão, armou um barraco (Ué? Mas não era circo?) e ficou esperando o pobre do Zé voltar. Enxotado para a oficina, por lá passou um mês até que ela se acalmasse. 

E foi aí que o "Zé da Moto" descobriu o por quê do nome “Globo da Morte”! 

  
Boa Tarde! Eu sou o Narrador.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Let it Be

Outro dia apareceu um trecho da crônica “Uma Vida Interessante”, de Martha Medeiros, do livro “Doidas e Santas” (L&PM Editores - 2008) : "Pessoas com vidas interessantes não têm fricote. Elas trocam de cidade. Sentem-se em casa em qualquer lugar. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor e compram passagens só de ida..." 

Achei o texto a minha cara e comentei isso com quem me mostrou. Deixo a dica, mas vamos ao texto de hoje. Será que vai ser interessante também? 

Quando pequenos e até o final da adolescência, criamos a ilusão que as amizades durarão para sempre, da mesma forma que eram. Algumas realmente duram, mas chega um momento que cada um trilha seu caminho. Com eles não foi diferente: ambos fizeram faculdade (por definição, ao menos que seja a mesma faculdade, já começa a complicação), arrumaram namoros firmes (aí complicou de vez), formaram família, passaram em concursos, tiveram bons empregos e a privacidade adolescente foi trocada por encontros sociais cada vez mais raros. Tinham semelhanças: mesmo signo, ambos sonhadores, mas ele abraçou essa causa muito mais do que ela, que preferiu a segurança, de uma vida feliz, às aventuras do mundo do sonhos. 

O tempo passou, ele separou, mudou de cidade algumas vezes, faliu algumas outras vezes e ela acompanhou todo esse movimento, algo inconformada com o que considerava um desastre, caso acontecesse com ela. Ele, por sua vez, achava que a vida dela é que era um desastre, já que sua opção também era bem esquisita (mas ele respeitava isso). Diversas vezes tentaram manter contato via Internet, mas isso também não deu muito certo, pois o pouco acesso às redes sociais, mensageiros instantâneos e e-mails, também fazia parte do que ela considerava adequado à sua opção.

Com tanta complicação, ele resolveu ficar quieto. Responderia a qualquer forma de mensagem que ela enviasse, mas não esperaria tréplica e nem insistiria em novos contatos. Para não deixar "passar em branco" e algo inconformado também, resolveu escrever uma carta (daquelas que a gente nunca manda) e anexar algo muito legal que ele encontrou num Tumblr: “ Ei você, liberte-se das amarras, livre-se do que te prende, saia da rotina, pule as horas marcadas, revire o guarda-roupa, ame-se diante do espelho, curta-se na cama, ande de pijama pela rua, saía de lenço na cabeça, apenas faça, JUST DO IT! Faça aquilo que você realmente quer, esqueça-se do que os outros irão pensar de você, os outros não importam o que realmente importa é estar realizado, extasiado, relaxado, amado. Faça o que realmente der da telha! Arrependa-se, erre, faça de novo, chore, pule, grite! Viva intensamente, intensamente feliz ou intensamente triste, intensamente chato ou intensamente fraco, intensamente você!”  


 Boa Noite! Eu sou o Narrador.  

N.N.: O texto do Tumblr é da Ariely (agradeço a permissão do uso). Clique aqui para conhecer.