sábado, 21 de fevereiro de 2015

Encontros Tortos

Você sabe o que são encontros tortos? Aprendi isso há dez anos, quando o “Contos de Fada?” começou. A primeira história quem escreveu foi Sininho e as demais foram coisas que o Mago viu por ai, tudo registrado no "Contos" e eu editei numa só. Vamos à primeira? 

“Ontem, ela saiu a esmo pelo mundo quando tudo já estava escuro e posto, dirigindo um carro, chupando uma bala que um anjo havia lhe dado, bebendo uma cerveja... A vida segue estranhos caminhos, pensava ao volante, e a gente nunca sabe, ao certo, se estamos do jeito certo, no caminho certo, fazendo aquilo que é certo. Mas o que é certo? Suprimir o desejo em prol de uma ou outra questão moral, ou deixar que ele venha a flor da pele e tome corpo no corpo?? A única coisa certa é que, nesses anos todos, não teve um só dia que ele deixou seus pensamentos. Mesmo agora, que se tornou outro e ela, outra também. Quando os olhos se cruzam em momentos assim, derradeiros, que ela sai de casa só porque sabe que ele estará lá, é um amor e uma tristeza tão grande que sente, tão grande, um buraco tão grande... que dói na alma da Menina, mas que a suga e a atrai para mais encontros tortos como este... em que ela sai na esperança que ele estará lá. Ele surge quase no momento em que ela esta indo embora, a vê, lhe diz "oi" com um beijo no rosto e um abraço, e depois ela, hipnotizada, fica, olhando de longe, ele com a sua nova menina, esperando o beijo, que nunca sai (!!), que então a mandaria embora para sempre.... e como ele não acontece, ela mantém-se presa a esse feitiço... que de tempos em tempos volta, como havia de ser...” 

Ah! Agora você está começando a entender, não é mesmo? Só que, algum tempo depois, surgiu uma outra versão, onde essa história também começa num “encontro torto”. Vou deixar um vídeo para acompanhar sua leitura clique aqui.

E ontem, quem saiu foi ele... Nem bem a esmo e não estava tão escuro assim. Antes, transformou-se num esquecido menino, usando a magia do cristal do paraíso. Sem carro, foi a pé mesmo... Sem bala, mas tomou uma cerveja! Pelo caminho deu de cara com o Mago (foi assim que ele o conheceu) e perguntou: 

- Será certo o caminho?
- Procure no País dos Sonhos Verdes e siga a trilha da Lua! 

Feito isso, enfim os olhos se cruzaram e ele viu o brilho que procurava, mesmo que semi ofuscado por mais um momento suprimido. Satisfeito? Acho que não. Resolveu voltar para casa, sob o brilho da Lua que, em seu coração, era de porcelana e prata e assim ficou durante muito tempo. 

Andava quieto, já quase não saia e somente observava de longe, procurando o brilho daquele olhar que o enfeitiçou, mesmo que algo o ofuscasse, mas que mudava de cor quando ficava triste. Ela se fora num encanto diferente e os pedaços que sobraram daquele coração sentiram a sua falta. 

Nos dias frios e chuvosos seguintes, ele esquentava água para um chá, mas preferia mesmo era café. Colocou o cristal da outra vez, comeu algumas bolachas... chocolate. Ouvia os pingos da chuva, que traziam recordações de como tanto ela chorava e de como tanto ele a conhecia (e ela não sabia como). E ele só queria que ela soubesse quem ele era, sem esperar que aquilo tudo que viveram terminasse. 

Na solidão, procurou uma velha caixa com figuras e escritos que leu e releu inúmeras vezes, tentando entender seu significado (parecia isso), enquanto aguardava pensativo (ansioso?). Horas passaram, nenhum olhar para cruzar. Procurou um brilho (ou qualquer coisas assim) todas as vezes (foram várias) que afastou a cortina da janela, mas fora em vão. Voltou a examinar a caixa, colocou músicas na eletrola, mas somente as tristes, daquelas que despedaçam o coração, como se sentisse sua chegada e seu chamado. 

Somente o Guardião o viu assim – em silêncio – sem entender sua louca paixão que ninguém sabe como é, pois ninguém é igual e ama como ele. Um feitiço quase eterno e muito difícil de quebrar. 

- Fez boa viagem, Mago? - perguntou o Guardião 
- Quem está na casa? 
- O Menino... ele é muito estranho. 
- É lua cheia... deixe-o dormir. É melhor assim. 

Até que um dia, durante uma visita imaginária... 

- Boa noite, Sr. Mário. 
- Não precisa me chamar de senhor, caro Narrador! Vejo que existe um problema. Tentarei ajudar. Ouça: 

Num outro canto da casa, mais uma noite e ele nem precisou sair, mesmo tendo pensado nisso. Mais uma vez não houve bala e nem cerveja, e somente a chuva o saudava na janela. 

"Somos donos de nossos atos, mas não donos de nossos sentimentos;" 

Finalmente, na porta, a batida tão esperada naqueles outros tempos bem mais frios; não foi uma surpresa, mas poderia ter sido de outra forma. 

- Explique melhor o que isso quer dizer! 

"Somos culpados pelo que fazemos, mas não somos culpados pelo que sentimos;" 

Não houve tempo pra nada: um abraço, um beijo, um sorriso e fim. Preferiu nem olhar pela janela, pois seria duro demais àquela altura. 

"Podemos prometer atos, mas não podemos prometer sentimentos..." 

Segurara sua mão e sentira seu perfume, doce ilusão de raro momento. Um pedido e somente isso, pois as explicações ficaram para outro dia... 

"Atos sao pássaros engaiolados, sentimentos são pássaros em vôo." 

Melhor seria ver à distância, como assim são os encontros tortos, onde somente há tristeza e jamais tanta aproximação. 

E o visitante escritor, conclui sua fala: 

"Queria ter a certeza de que apesar de minhas renúncias e loucuras, alguém me valoriza pelo que sou, não pelo que tenho... Que me veja como um ser humano completo, que abusa demais dos bons sentimentos que a vida lhe proporciona, que dê valor ao que realmente importa, que é meu sentimento...e não brinque com ele. E que esse alguém me peça para que eu nunca mude, para que eu nunca cresça, para que eu seja sempre eu mesmo. Não quero brigar com o mundo, mas se um dia isso acontecer, quero ter forças suficientes para mostrar a ele que o amor existe... Que ele é superior ao ódio e ao rancor..."

- Até a próxima, Narrador!  


 Boa Noite! Eu sou o Narrador.  

N.N: O poema utilizado se chama “Certezas” e é de Mario Quintana, o visitante imaginário que conversou com o Narrador.

Um comentário:

  1. Mário Quintana é bárbaro: "eles passarão, eu passarinho".
    "Atos são pássaros engaiolados, sentimentos são pássaros em vôo."
    Lindo este texto e seu "visitante imaginário"!

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