sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Tente Fazer Diferente

Considerando a referência “Niemeyer”, cheguei na metade do meu caminho e já acumulei um sem número de equívocos que remetem a reflexões sem fim e, felizmente, a experiência ensina a encará-los e enfrentá-los. Creio que todos somos assim, mas muitos não possuem discernimento para assumir seus próprios erros. 

Com o passar dos anos observei as mudanças e a “evolução” da assistência ao ser humano em solo brasileiro. A tecnologia surgiu, muita coisa boa aconteceu, mas a burocratização dos processos veio logo a seguir. Será que no tempo do “artesanato”, onde a gente improvisava de tudo um pouco, a nossa resolução simplista não poderia servir de algum exemplo?

Diante de alguns absurdos que encontrei, durante tal período, associado à uma notícia que li hoje no jornal, resolvi colocar aqui um artigo que escrevi, há poucos anos, que exemplifica um pouco essa vivência. 

Para refletir: 

"Antigamente, não tão longe daqui... 

Dr. Fulano atendia um paciente numa cidade interiorana, sem recursos técnicos, e concluía ser o caso de impossível resolução nas condições da localidade. Telefonava, então, para um hospital de maior porte, numa outra localidade até bem distante e solicitava vaga para o atendimento de seu cliente. Uma vez aceito, seu paciente era internado e tratado pelo Dr. Sicrano. À alta, recebia as instruções e já agendava um retorno para a natural revisão pós alta hospitalar, principalmente quando a patologia necessitava acompanhamento especializado por longo tempo. Na data marcada pelo Dr. Sicrano, a revisão era realizada sem maiores burocracias, pois este médico acompanhava o paciente durante a internação e seria responsável por ele até a alta definitiva. Isso era antigamente, lá no lugar de onde eu vim, e ainda acontece hoje em dia. 

Recentemente transferi um paciente pelos mesmos motivos. Apesar de ter concluído o diagnóstico, não arrisquei o tratamento por considerar o risco maior que o benefício de uma transferência para unidade com maiores e adequados recursos. Na volta, o resumo de alta orientava o retorno do paciente em 15 dias, pois o tratamento apenas havia sido iniciado e necessitava de avaliações especializadas frequentes, já que seria de longa duração. Então começou a saga: 
- Precisa preencher um “TFD” – informou o serviço social. 
- Mas o médico que deu alta orientou o retorno em 15 dias o que, de qualquer forma, é necessário para reavaliar o paciente e a medicação em curso -, retruquei. 
- Ah! Mas tem que preencher o... “

O famoso “TFD” significa “Tratamento Fora do Domicílio”, cujo documento foi devidamente preenchido, dada a insistência do serviço social, mesmo que eu considerasse absolutamente desnecessário. Mesmo assim, mais de 15 dias, a autorização não chegou. 
- Mas o médico orientou o retorno. Não é melhor telefonar para o médico para que ele autorize a consulta? Afinal, foi ele quem recomendou o retorno - insisti. 

Em contato telefônico com o médico, escuta-se a seguinte pérola: 
- Ah! Se ele fosse aqui da cidade não haveria problema, mas como é de outra cidade, tem que ser via TFD e aí... Mas se ele passar mal ou piorar, é só telefonar para o hospital que ele será novamente internado. 

Isso não foi ficção... O TFD (Tratamento Fora do Domicílio) foi criado pela SAS nº 55/1999 e é um benefício definido como auxílio financeiro para tratamento de saúde. Esse auxílio inclui transporte. Desta forma, seria facilitado o atendimento ao paciente que dele necessitasse através de recursos oriundos do SUS. O que observo é que a realidade é muito diferente da proposta. Quando o médico generalista preenche o formulário, o paciente não possui a garantia do atendimento especializado no prazo adequado para a resolução do problema atual, pois existem cotas de consultas de acordo com critérios próprios inerentes a cada estado. Dessa forma existem situações como 4 a 12 consultas/município/ano dependendo da especialidade. 

E como fica o paciente nessa situação? E o médico generalista que trabalha na Estratégia Saúde da Família, o que ele pode fazer? Como as Secretarias de Municipais de Saúde dos municípios carentes poderão arcar com os custos do atendimento especializado, utilizando outras vias? 

Independente dessa problemática, voltando ao caso anteriormente descrito: onde ficou o Código de Ética Médica quando o médico responsável pela internação do paciente não o recebeu de volta, mesmo assim tendo determinado? Será que ele esqueceu sua responsabilidade? 

Há mais de 30 anos estudando e exercendo a Medicina, aprendi com meus mestres e preceptores que o foco principal do médico é o paciente, até porque é o que reza o Código de Ética Médica. Criávamos redes próprias onde os ex-alunos telefonavam para seus ex-preceptores e vice-versa, pedindo ajuda para internações e consultas especializadas e sempre éramos bem recebidos. 

“- Ligue pra fulano no hospital tal. Fale em meu nome. Ele foi meu residente e caso ele não possa ajudar, certamente poderá orientar sobre o que fazer!” 

Tanto na cidade do Rio de Janeiro quanto no município de Petrópolis, no interior fluminense, onde tive a oportunidade de exercer a docência, era assim que fazíamos e, mesmo que alguma dificuldade existisse, conseguíamos sempre algum colega pronto para nos ajudar, mesmo que não houvesse vínculo de amizade. Era a rede da solidariedade médica com a qual fui acostumado a trabalhar e assim orientei quatro turmas de formandos. Quantas vezes transferimos pacientes para outras cidades dentro e fora do estado quando não possuíamos os recursos adequados, bastando contar com a obviedade da situação? Nossos internos e residentes sempre foram orientados a agendar o retorno e receber seu paciente de volta, mesmo que no hospital não houvesse ambulatório. Uma pequena sala, na própria enfermaria do hospital, garantia a revisão, pois foi assim que nós aprendemos a trabalhar. 

Nós, médicos, somos responsáveis por isso e não podemos abandonar nossos pacientes à própria sorte (assim determina o Código de Ética em seu artigo 36). Dessa forma fica o alerta. Que os pacientes leiam o Código de Ética Médica e tantas outras leis e estatutos, procurando seus direitos. Que tais direitos não sejam burlados, que a legislação seja cumprida e que a burocracia não gere distorções na atenção àqueles que mais precisam dela."

Pois é... nem sempre a gente escreve sem indignação! 


 Boa Tarde! Eu sou o Narrador.

Um comentário:

  1. Ainda bem que eu tive a sorte de ter professores que me ensinaram a verdadeira medicina, que prioriza o bem estar do paciente. A eles, meus eternos agradecimentos.

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