terça-feira, 17 de junho de 2014

Orquídeas e Margaridas

“Talvez as formas e as cores de uma orquídea nos surpreendam mais do que a simplicidade de uma margarida, mas devemos lembrar sempre que as duas são flores.” (Daniela Raffo) 

O empate, no jogo do Brasil com o México, não atrapalhou a visita. Mônica finalmente foi ver a amiga Bia, um mês depois que recebeu alta definitiva do hospital, onde tivera Rodrigo. Foi sozinha, para não atrapalhar com outra criança junto. 

“Depois do acidente eu lembro de pouca coisa. Muito barulho de sirene, depois um "bip bip" de alguma coisa que deveria ser um monitor e acordei num quarto, com um choro de bebe que não era o meu e sim de um casal que ocupava o outro leito e aí que minha mãe contou, mais ou menos, o que se passara. Eduardo estava internado, em outra ala do hospital e eu fui transferida para a maternidade, onde os médicos indicaram uma cesariana, mesmo que eu ainda estivesse de 35 semanas, mas como o acidente pareceu grave, eles preferiram não arriscar, já que o hospital era pequeno e não tinha tantos recursos assim.” 

Bia foi criada como uma princesinha. Ainda estava na dúvida se teria parto normal ou não, mas nem houve condição de decidir. A única coisa certa é que seria numa maternidade “de ponta”, na zona sul do Rio, já que seu seguro dava a cobertura. Um passeio rápido para ultimas compras para o bebê, numa outra cidade, onde as roupinhas eram muito bonitas, virou um pesadelo, quando um caminhão perdeu os freios, bateu no carro deles que saiu da estrada e ficou pendurado numa ribanceira (por sorte havia um salgueiro bem valente para segurar o veículo). Acabou internada num hospital público mesmo, sem maiores mimos ou luxos, mas com uma equipe dedicada e acolhedora. Claro que estranhou: ao invés de um quarto privativo, dividiu uma pequena enfermaria de dois leitos, por 10 dias, com outras companheiras, que logo levavam alta, já que seus filhos não ficaram na UTI, como o seu. O quadro não era grave, mas era um bebê pequeno e os médicos preferiram observar de forma mais contínua. 

“Era muito estranho. Minha mãe ficou comigo, mas eu não ficava à vontade, principalmente quando trouxeram Rodrigo para que eu amamentasse. Tinham outras pessoas, era tudo muito esquisito.” 

A sala da serviço social da maternidade foi um alento, para Bia, nesses momentos confusos. Apesar de minúscula, tinha elásticas dimensões, onde todos eram bem vindos. Através de uma pequena porta aberta para o corredor, que lhe proporciona a visão e a audição dos que por ali desfilam, a assistente social chega a conhecer a identidade de um ou de outro pelo som do caminhar; não se espalha em sorrisos ou em benefício assistenciais e sim em agenciamentos precisos e agudos, frente a uma vida sem coloridos artificiais, mas exatamente assim, da forma que é, e do quanto é. Seu olhar é largo, é critico, mas sobretudo é acolhedor.; e acolhe porque, mais do que tudo, sabe silenciar frente ao drama do outro e, tal qual copo vazio, absorve sem julgar. 

“Conversei muito com ela e com outras mães da UTI, que já estavam lá há muito mais tempo do que eu e ainda continuaram quando eu sai. Nossa sorte é que estávamos numa maternidade “humanizada” e as pessoas eram muito legais. Só que isso indicava a falta de privacidade que te falei, pois lá os maridos acompanham as esposas e ai compartilham também das nossas noites de puérperas, em nossos leitos de leites, sangues, alegrias, dores e choros de bebês.” 

Mônica ouvia tudo com certo espanto. A amiga mais nova deu a impressão de ter amadurecido séculos, até no jeito de falar. Bia era insegura, mas, depois de tudo isso, surgiu uma pessoa completamente diferente, como se estivesse somente escondida esperando o momento certo de aparecer. 

“Eu ainda dei sorte, por um lado, mas outras mães, que estavam em outros quartos, contaram de seus constrangimentos frente ao olhar do marido da "outra' companheira de quarto. Como eu estava com minha mãe e, geralmente, eu amamentava na UTI - só nos dois últimos dias é que o Rodrigo ficou comigo no quarto - não havia grande problema, mas mesmo assim foi chato. Elas sentiram a mesma coisa que eu, da sensação de desconforto quando o avental do centro cirúrgico se abria em seu corpo exposto, sob uma cegueira hipócrita do sexo. Em seu amamentar seguido pelo canto de olho, do outro homem, conhecido há pouco e, não poucas vezes, cheirando a pinga.” 

Rodrigo chorou, Bia levantou, pegou o garoto no colo, fez um agrado e foi amamentar. A cabeça de Mônica rodava, cheia de pensamentos. Com ela foi diferente, não foi fácil também, mas a realidade que conheceu, pelas palavras da amiga, nunca passara em sua cabeça. 

“É... assim caminham as sistematizações que, fora da possibilidade de um capital que garanta a individualidade, transformam o sujeito tal qual sua natureza animal. Mais ou menos assim: além de não ter a possibilidade de escolher o médico que vai atender ao seu parto, de não poder decidir a forma de parir, a forma de alimentar o seu filho, tem que dividir o quarto não com outra mulher, mas com o marido dela.” (Sarah) 

 
Boa Noite! Eu sou o Narrador.  

N.N.: Agradeço à amiga, Sarah Alcantara, que escreveu o texto original, editado para o blog, e autorizou a publicação. 

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