quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Ciclone

No passado, a proximidade do ciclone era prenúncio de apagão e chegada de Adrielle. Na véspera faria calor, mas o dia seguinte iniciaria nublado e estranhamente silencioso, como se até os pássaros resolvessem reforçar seus ninhos na proteção das crias. 

Ana olhou para o céu, viu as nuvens de um cinza avermelhado bem característico e correu na direção da casa ainda a tempo de fechar algumas janelas, antes que a areia levantada pelo vento inundasse todos os cômodos (“like Murphy Cooper”). 

Do lado de fora, a tarde se fez noite e a tempestade surgiu ao longe num cone de chuva forte. Separou os lampiões e as velas, como de hábito, e arriscou um banho rápido antes que a energia elétrica cessasse. Sentiu falta das irmãs, que preencheriam esse momento vazio de profunda solidão, mas não entristeceu pois sabe que as verá em algum momento.

Já sem luz qualquer que fosse, acendeu o antigo Aladim e o cheiro de querosene espalhou-se pela casa deixando um aroma de lembrança de outros tempos, para aqueles que lá estiveram. Aproveitou o brilho azulado e, com a ajuda de um incenso de mirra, buscou uma ponta de luz que lançada na parede criou uma tela em branco. 

Sentou-se no sofá de almofadas gigantes e coloridas, usou uma manta atoalhada para aplacar o frio e escolheu fuçar o universo alternativo, aquele que poderia ter sido e que ficará para uma próxima vez. Uma torta de amoras recém saída do forno e deixada por Tia Nastácia foi a solução para a preguiça de preparar um jantar. 

Ela teria o dobro de sua idade, humor muito variável (dependendo da época do mês), brigaria com espinhas, usaria aparelho nos dentes; cuidaria dele assim como ele o mesmo faria, como companheiros inseparáveis, e cantariam nos dias de sol; nas férias viajariam pelo mundo e fariam fotos divertidas que compartilhariam com os amigos... seriam felizes, veriam Grey's Anatomy e aprenderiam com suas lições. 

Apagou a magia, o lampião e dormiu no sofá. Vozes ecoaram na sua cabeça, mas quando acordou não lembrou o que sonhara. 

“Por que nós tentamos, quando as barreiras são tão altas e as chances tão baixas? Por que não fazemos as malas, e vamos embora? Seria tão mais fácil. É porque, no fim, não existe glória no fácil. Ninguém se lembra do fácil. Eles se lembram do sangue e dos ossos, e da longa e agonizante luta até o topo. O segredo, porém, ganhando ou perdendo, é nunca falhar; e a única maneira de falhar é não lutar. Então você luta até não poder mais e é assim que você vira uma lenda.”¹ 

 
Boa Noite! Eu sou o Narrador.  

¹ Tradução e edição livres das narrações do episódio 11.14 - “The Distance” - de Grey's Anatomy.

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