sábado, 24 de setembro de 2016

Resiliência, Resistência, Sobrevivência

”Door buscou qualquer vestígio de força no fundo da alma, em meio a todo o sofrimento, dor e medo. Estava exausta, completamente esgotada. Não tinha para onde ir, não lhe restavam poderes nem tempo. Se esta for a última porta que vou abrir, rezou em silêncio, ao Templo e ao Arco, que seja para algum lugar... qualquer lugar... seguro..., e então completou, já delirante: Alguém confiável.”¹  

Sou de uma geração que não foi agraciada com o ensino de sociologia e filosofia durante o ensino médio e onde o que hoje é chamado de “bullying” poderia ser comparado a uma simples brincadeira infantil sem nenhuma consequência. Vivendo na ditadura militar, tudo era uma grande guerra (incluindo o colégio a partir do “ginásio” até o final do “científico”) e você tinha que “se virar” para seguir em frente. Mesmo assim, a minha geração estava lá no “Diretas Já” e, mais adiante, no “Fora Collor” e não tenho a menor ideia de como seria caso a época de colégio fosse diferente. 

O tempo passou e fui aprendendo coisas novas, por minha conta mesmo, e isso acontece até hoje. Outro dia falei de distopia e há algum tempo apareceu “resiliência” nas palavras do dia a dia. Procurei e encontrei um sem número de significados e fiquei com “capacidade que um indivíduo ou uma população apresenta, após momento de adversidade, conseguindo se adaptar ou evoluir positivamente frente à situação”, que encontrei no Dicionário Informal

Pensei a respeito do conceito e não vi aplicação prática no meu modo de ser: as coisas foram acontecendo e, em boa parte dos casos, o que tive foi resistência (“ato ou efeito de resistir; força que se opõe a outra, que não cede a outra; força que defende um organismo do desgaste de doença, cansaço, fome, etc.”) e  sobrevivência ("ato ou efeito de sobreviver; continuar a viver depois de outro; continuar existindo depois de grave perda; resistir, enfrentar, atravessar, escapar:sobreviver a todas as crises"), incluindo ai a difteria aos cinco anos e o sarampo lá pelos quinze anos (a parte da batalha pela sobrevivência no meio estudantil eu vou pular). 

Na idade adulta a "baixaria", coloquialmente falando, continuou e as opções se mostraram restritas e até únicas, para que o “seguir em frente” acontecesse. Fui pegando o que aparecia, considerando que algumas coisas não encontramos nas gôndolas de supermercado, e podemos dizer que funcionou, de uma forma ou de outra.  

“[...] hoje sobrevivi ao andar na prancha, ao beijo da morte e a uma aula sobre chutes. No momento, estou andando por um labirinto na companhia de um doido varrido que voltou dos mortos e uma guarda-costas que se mostrou ser... o oposto de uma guarda-costas seja lá qual for o termo para isso.”¹

(N.N.: Essa passagem me lembrou a descida da montanha de Wayna Picchu, mas vamos deixar isso naquilo que já não existe mais.)  

“Lugar Nenhum: edição preferida do autor” (Neil Gaiman: tradução de Fábio Barreto – 1ª edição - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016) é uma dessas obras que você lê e não quer que termine, onde o mágico é misturado à crítica e aos conceitos do mundo moderno. Como conto de fadas adulto, numa clara referência à população de rua (que você só tem ideia do que é quando você passa, à noite, na Avenida Marechal Câmara no Rio de Janeiro e vê o “submundo” descrito no livro sob as marquises do prédio do Ministério Público), você entende a superação e quanto isso é importante num mundo onde nada é previsível e o grau de confiança naqueles que nos rodeiam é discutível. Enfim: um clássico de Gaiman que dispensa maiores explicações. 

Esta edição tem extras bem legais. “Lugar Nenhum” já foi serie de televisão e já foi “quadrinizada” também e vale a pena dar uma estudada nas origens do livro que é bem interessante. De tudo ficamos com aquela dúvida de sempre: seguir a mesmice e as zonas de conforto, ou encarar a aventura do desconhecido?  

”Naquela noite, levaria a garota da informática para casa e fariam amor com muita delicadeza; no dia seguinte, como era um sábado, passariam a manhã na cama. Sairiam da cama e, juntos, desencaixotariam as coisas de Richard e guardariam tudo. Em pouco menos de um ano, ele se casaria com a garota da informática,receberia outra promoção, e eles teriam dois filhos: um menino e uma menina. [...]E não seria uma vida ruim. Também sabia disso. Às vezes, não há nada que se possa fazer.”¹

  
Boa Noite! Eu sou o Narrador. 
¹Trechos do livro.

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