quinta-feira, 26 de maio de 2016

O Condor, o Puma e a Serpente

Toda viagem é um desafio: tempo, grana, planejamento e determinação fazem parte do rol de necessidades para que tudo dê certo. Só que temos que lidar com imprevistos que podem atrapalhar toda expectativa, mas também podem trazer várias surpresas boas. 

No texto anterior eu falei pouco de Cusco porque tudo está disponível na Internet. Além do acervo turístico e cultural a grande contribuição extra é melhorar o preparo físico para o passeio em Machu Picchu, sem contar que você fica sabendo tudo a respeito da civilização Quéchua ou andina, também chamada de Inca (se bem que a coisa não é tão simples assim). A Cusco moderna foi construída em cima da base inca; sofreu alguns terremotos e enquanto as construções espanholas desabavam, as construções inca continuaram de pé, graças à sua tecnologia própria (alienígena?). Existe um quebra- -cabeças, réplica da “pedra dos doze ângulos” que eu comprei na loja da associação de artesãos e que fica ao lado da Igreja da Companhia de Jesus na Praça das Armas, que mostra a “assimetria simétrica” dos blocos de pedra; lá também comprei o totem com a Trilogia Inca que dá o título ao texto de hoje. Tudo é muito interessante e farei leituras complementares a respeito. 

A grande dificuldade em planejar sozinho a ida a Machu Picchu são os limitantes: somente 2500 pessoas entram, por dia, no parque arqueológico e os ingressos terminam meses antes; dessas, somente 400 subirão as montanhas em dois horários específicos (isso independe da entrada). Traduzindo, se você marcou o ingresso para determinado dia todo o restante orbitará nesse dia (trem e hospedagem). Por conta disso, eu preferi a agência mesmo, dei as minhas datas disponíveis e pedi dois dias para entrar no parque, já que o primeiro seria com o guia e o segundo eu queria fazer sozinho, para rever alguma coisa que eu gostasse ou conhecer algo diferente (passeios com guias costumam ser limitados). 

Quando a operadora enviou a programação, incluiu a subida da montanha Wayna Picchu (tem um monte de jeitos para escrever isso, mas significa “montanha menor”) com um custo um pouco maior e eu pedi para retirar da programação. Vamos entender: já passei da minha fase de subir montanha que ficou lá na adolescência quando eu subi a Pedra da Gávea no Rio de Janeiro (aliás tem alguns “primos” dessa pedra em Machu Picchu também); dei uma lida a respeito e não fiquei nem um pouco interessado no esforço físico extra; pensei na hora da descida, quando a gente acaba olhando para baixo e lembra que “o santo ajuda”. 

No dia do embarque para o parque, meu “personal receptivo” compareceu ao hotel com um monte de ingressos e, ao conferir, lá estava o ingresso para Wayna Picchu (pelo menos não paguei o extra, mas foi no bolo do pacote). Chegando em Águas Calientes (cidadezinha base para o parque), ganhei um guia exclusivo (isso foi muito bom) e o primeiro dia foi perfeito, já que havia tempo e disposição de ambas as partes. Ele explicou tudo, tirou fotos nos melhores lugares e ângulos e me deu uma força para subir a montanha. 

“- Veja: alguma coisa fez que o ingresso viesse pra você. Tente, ao menos, se não gostar você volta.” 

Nem imagino a origem extraterrena do ingresso, mas acordei mega cedo e fui para a fila do ônibus. Minha ideia era ver o nascer do sol e, depois, encarar a montanha, já que minha entrada era até às oito horas. Infelizmente a fila do ônibus era gigantesca e só peguei o final do amanhecer (quem conseguiu chegou na fila lá pelas quatro da manhã), mas consegui uma foto muito boa. Respirei fundo, outra fila para entrar na montanha e vamos caminhar, deixando toda paúra para trás. Ao menos a altitude lá é uns mil metros a menos do que em Cusco o que já alivia bastante a situação do ar rarefeito. 

Disse Exupéry, no seu livro “Terra dos Homens”, quando relatava a saga do piloto Henri Guillaumet cujo avião caiu nos Alpes: “Depois de dois, três, quatro dias de marcha tudo o que se deseja é o sono. Eu o desejava. Mas ao mesmo tempo pensava: Minha mulher... se ela crê que estou vivo, ela crê que estou andando. Os companheiros creem que estou andando. Serei um covarde se não continuar andando. E andava.” 

Andar foi a solução: claro que estou sendo meio dramático, mas já que topei subir vamos andar. O treino em Cusco ajudou a respirar e, depois de determinado tempo, já não ofegava mais (aliás também não sentia as pernas). Muito passavam por mim, mas eu continuava andando. Procurava olhar a paisagem e encontrei orquídeas, mas creio que na primavera apareçam mais; vi montes nevados, a cidade diminuir de tamanho, muitas pessoas ofegantes (mesmo os mais jovens) até que surgiu uma estrutura que pareceu o final da trilha (não é, mas a partir daí não dá pra voltar pelo mesmo caminho, então tenha certeza de que vai continuar). Chegar ao topo foi questão de mais alguns minutos. A visão era legal, não tenho nenhum arrependimento de ter feito a trilha, mas poderia passar sem essa sem qualquer remorso. De qualquer forma, eu subi (pior foi descer) a montanha e, depois disso, a vida seguiu igualzinha e eu mostrei que ainda faço o que eu quiser fazer. 

O fim do dia foi no meio da tarde; pessoas reunidas para o trem de volta a Cusco. Coraline aguardava seu irmão (gêmeo) que fora ao banheiro. Ele a viu e não acreditou na coincidência... mas isso será história para outro dia.

 
Boa Noite! Eu sou o Narrador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário