quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

As Crônicas da Grande Loba

”Entendo que os chefes devem reconduzir tudo a este princípio: aqueles que eles governam devem ser tão felizes quanto possível.” Marcus Tullius Cícero 

“Depois da última revolução na montanha, onde o mal apenas mudou de hálito, as coisas ficaram estranhas. Muitos que pensamos tinham vindo para ficar, simplesmente, se foram; outros, presos por grilhões virtuais, ou não, permaneceram. A Grande Loba foi uma delas. Com uma ninhada ainda mamando, não podia se dar ao luxo de caçar em outro território. Ficou. A coleira no pescoço, larga o suficiente para ser colocada quando necessário, já não machuca mais, pois aprendeu a usá-la com toda a dignidade possível. Há outras lobas na matilha; algumas com filhotes que a Grande Loba precisa cuidar também. 

Outro dia, explorando os limites de seu território, sentiu um cheiro familiar: cheiro de batalhas antigas, de grandes lutas e de risos no fim da tarde. Por entre sombras surgiu o Mago - o que sempre esteve aqui. Olharam-se e a Loba cumprimentou-o pela coragem e disse: 
- Um dia também saberei saltar rumo ao velho conhecido desconhecido e fazer o meu tempo!

Ele sorriu e respondeu:

-Eu sei. E vai ser ótimo!

 Grande Loba... a que anda no escuro, tudo vê e escuta, nada esquece...nem dos amigos leais.”

- Quem ela era, Guri? 
- Uma amiga que ele conheceu por lá mesmo. Guerreira das antigas. Houve um tempo que a força dos guerreiros era medida por sua sabedoria e não por seus armamentos. Ela gostava de contar histórias. 
- Por onde eles andam? 
- São raros como os jedis, mas às vezes aparecem por ai. Eles causam medo às pessoas, mas só enfrentam aqueles que são maus. 
- Você tem mais coisas sobre ela aí na mochila? 
- 'Tó, Melinda! 

“Então havia, não muito longe, aquele lugar... 

Seu destino era ser uma Casa de Guerra, onde guerreiros seriam treinados para lutar na “Maior de Todas as Guerras” que, por sinal, acontecia todos os dias. Eles seriam a elite, aprimorariam sua arte contra quaisquer inimigos e a paz estaria garantida. 

O que eles não contavam é que o Mal se tornasse o gerente de tudo e o que aconteceu todos viram, inertes, pois era inevitável: os outrora orgulhosos guerreiros serem substituídos, aos poucos, por mercenários inexperientes e o que restou dos antigos transformados em gladiadores, combatendo num picadeiro, para deleite de imorais. 

A Grande Loba também rondava por lá, bom local de caça para quem tem uma alcateia a manter. Ela os via lutando com armas obsoletas e escudos de papel; mal nutridos, mal cuidados, sem descanso ou segurança nem em suas celas, onde, por vezes, eram atacados por alguém da plateia ou por alguma fera do próprio Circo, solta. Ela escuta seus lamentos, sente o cheiro de sangue e se pergunta:"Por que continuam?" Ela mesma se perguntava, às vezes, por que continuar, mas o instinto falava mais alto e ela prosseguia a caçada na noite. 

Às vezes, em volta das fogueiras onde tentavam, em vão, descansar ou se aquecer, os gladiadores contavam uma antiga lenda de antes sobre "Aquele que voltou dos mortos". Era a lenda de um Mago que, uma vez tomou conta da Casa. Foi o único que tentou fazer algo que desse dignidade àquele lugar, mas nem ele suportou o ego inflado da fúria do mal que superava a competência. 

Foi sábio e retirou-se na hora certa, antes que fosse consumido e, assim, tornou-se apto a lutar em outras batalhas e inspirar os que ficaram a lutar por si. Sabedoria, às vezes, consiste em não entrar de mãos nuas num incêndio, mas analisá-lo de longe para ver como apagá-lo de uma vez ou sobreviver na segurança, se nada mais pode ser feito, além de esperar o Tempo revelar a solução. Sua digna retirada, até hoje, é interpretada, pelos que ficaram, como coerência e não como fraqueza e isso a Loba ouviu. Agora a Loba escuta e uiva para a Lua e não à toa, como alguns pensam que é uivar para a Lua. Uiva para que a Lua conte ao Mago que ele faz falta, que seu ensinamento foi aprendido e que algo se mexe nas brumas, é perigoso... e é muito bom!" 

- E ele voltou? 
- Não. Ele seguiu para outros cantos, mas deixou um bom legado. 
- E qual o destino dos que ficaram? 

"Nos campos de caça sopra um vento diferente. Após uma rápida batalha, nessa guerra sem fim, um movimento em falso do Mal pôs tudo a perder e agora, os que sobraram, após ajoelharem-se ante o Grande Poder, terem suas cabeças raspadas e suas famílias amaldiçoadas, desfilam com grilhões no pescoço e olhos secos, certos de seu destino final. 

A Loba olha, fareja e continua a caça. Num momento de ócio, entre uma carcaça e outra presa, deitada ao sol de barriga para cima deixando os filhotes morderem sua orelha, a Loba divaga: Quem vencerá a guerra? Quem é, na verdade, o Mal? Poderia o Grande Poder ser o Mal? Ou, exatamente por ser o Grande Poder, ele seria o Bem? Um último pensamento a faz ficar mais alerta: será, então, que a dicotomia Bem/Mal existe? Não seria apenas fruto de sua mente instintiva, onde o que não é predador é presa? 

Após muito pensar, vê que eles são predadores... do Bem, mas predadores. Predadores de predadores... interessante... 

A Loba pensa em seus motivos egoístas: só quer um campo de caça para levar comida para os filhotes que ainda não caçam sozinhos. Aproxima-se do Mal, pois de suas presas sobram as carcaças, algumas com algo que ainda presta como alimento. Lembra-se que o Grande Poder sorri quando a vê e afaga suas orelhas (ou será que mostra as presas e demonstra que, com um golpe da mão, pode quebrar seu pescoço?) 

A Loba suspira, pois queria ser dragão e voar acima de tudo, livre para tomar o que deseja, temida sem ameaçar, mas seu destino é ser Loba, ser provedora, ser defesa e não ataque. Uiva para a lua do céu e já adianta que, no próximo Solstício, estarão sozinhos, sem voz, sem espada, sem esperança. Restam os sobreviventes cujos cabelos esvoaçam ao vento diferente que sopra por aqui. Um vento mais morno, mais seco. O que vai trazer só se saberá depois que chegar. Será que o Vento vai levar o Mal embora? Sobrará caça para a Loba ? Tantas perguntas ao vento e nenhuma resposta 

A Loba abre mais os olhos, espeta mais as orelhas, aguça mais o faro e observa os filhotes na grama. Mais do que nunca é preciso estar atenta aos sinais.” 

- Houve uma destruição em massa. A Casa de Guerra virou ruínas, mas os sobreviventes conseguiram sair e seguir suas vidas já libertos. - explicou, o Guri.

Nesse momento uma ambulância para no acostamento. Suas luzes lembraram o Natal que viria em duas semanas. No seu interior um bebê em estado grave e médico, enfermeiro e auxiliares totalmente perdidos, sem saber o que fazer. Do lado de fora, dois anjos discutem, sendo que um deles era o da Morte. Melinda e o Guri observam inertes, quando outro veículo estaciona, liga o “pisca alerta” e seu ocupante bate na porta traseira da ambulância, entrando a seguir. Alguns minutos depois ele sai e vai embora e até pareceu que o Anjo da Morte aproveitou a carona e também foi embora. Mais alguns instantes, a ambulância seguiu viagem. 

- O que foi isso, Guri? 
- Acho que vimos um daqueles guerreiros que falávamos, mas nunca saberemos ao certo. 

 
Boa Noite! Eu sou o Narrador. 

N.N.: A Grande Loba apareceu em 2007 e criou uma trilogia: “A Grande Loba”, “A Casa de Guerra” e “Ócio ao Sol” que compilei e agora divido com os leitores. Ainda houve um texto, falando da minha partida para o sul que se chamou "Perdas", mas não inclui nesta postagem. No momento que observamos uma crise política nacional e mais um desastre na administração dos serviços de saúde pública no Rio de Janeiro (Municipal, Estadual e Federal), suas histórias também homenageiam os bravos guerreiros que ainda resistem.

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